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20 de Abril de 2024

União Federal é condenada pela Justiça Trabalhista após realizar contratação sem concurso público.

Com opinião favorável do Ministério Público do Trabalho, os desembargadores determinaram o pagamento de indenização e honorários advocatícios por entenderem que a União agiu contra norma expressa da Constituição Federal.

Publicado por Larry Borges
há 3 anos

Em sessão de julgamento virtual realizada no dia 10/02/2021, a 3ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho do Rio de Janeiro acolheu o recurso de uma trabalhadora e determinou que a União Federal efetue o pagamento de indenização referente ao FGTS e honorários advocatícios, de acordo com a Súmula 363 do Tribunal Superior do Trabalho.

Alegações iniciais.

Em sua petição inicial, a trabalhadora alegou ter sido admitida em janeiro de 2015 por um Centro de Tecnologia subordinado à União Federal. Afirmou que foi contratada de forma direta e pessoal, sem a realização de concurso público. Argumentou, ainda, que prestou serviço administrativo tanto como pessoa física como pessoa jurídica, e que foi desligada do quadro de colaboradores do Órgão em outubro de 2018 sem receber nenhuma verba rescisória oriunda da relação de trabalho.

Primazia da realidade.

Durante a instrução processual, a reclamante demonstrou que foi contratada como se fosse trabalhadora autônoma, mas, efetivamente, manteve contrato com Administração Pública que possuía todas as características de relação de emprego (artigo 3º da CLT), a saber:

  • Pessoalidade da contratação: A ex-colaboradora não poderia ser substituída por outra pessoa para prestar o serviço contratado;
  • Habitualidade da prestação de serviços: A demandante laborava de segunda a sexta, de forma contínua e regular, em horário e local determinados pelo Órgão Federal;
  • Subordinação hierárquica: A contratada recebia dos servidores concursados da União as ordens específicas de como realizar seu trabalho;
  • Serviço prestado mediante pagamento de salário: A autora demonstrou, por meio documental, que recebia remuneração mensal pelas atividades desempenhadas.

Para provar suas alegações, a trabalhadora acostou aos autos os seguintes documentos:

  • Crachá funcional (fornecido pelo Órgão Federal);
  • Relatórios das atividades desenvolvidas ao longo de todo contrato de trabalho (documento produzido pelo próprio Centro de Tecnologia contratante);
  • Recibos de pagamentos (emitidos quando a prestação de serviço ocorria por intermédio da sua pessoa física);
  • Notas fiscais (impressas quando o serviço era prestado por meio da pessoa jurídica);
  • Certificado da Condição de Microempreendedora;
  • Documentos públicos que comprovam a irregularidade da dispensa de licitação para a contratação.

Pedidos iniciais não acolhidos.

Mesmo com os elementos probatórios inclinados em favor da autora, a juíza de primeira instância julgou improcedentes todos os pedidos formulados na petição inicial, nos seguintes termos:

Assim, no caso em análise, para que fosse deferido o pagamento dos salários do período e de FGTS, nos termos do entendimento da Súmula 363 do TST, a reclamante teria que ter provado que a sua contratação com todos os elementos fático-jurídicos típicos da relação de emprego, embora seu ingresso tivesse sido feito sem aprovação em concurso público. Embora tenha juntado notas fiscais provando a onerosidade, não produziu prova do elemento fático-jurídico distintivo da relação de emprego: a subordinação.

Tese recursal.

No recurso ordinário apresentado no dia 13/12/2019, o advogado da reclamante, Dr. Larry Borges, alegou que a trabalhadora desempenhou, ao longo de quase quatro anos, função de natureza permanente e habitual, executando atribuições inerentes e típicas dos integrantes do quadro efetivo de pessoal do Órgão Federal, em flagrante contrariedade ao artigo 37, incisos II e IX da Constituição Federal de 1988.

A subordinação, portanto, estava demonstrada mediante as documentações acostadas aos autos.

Em resumo, o recurso interposto pela defesa da ex-colaboradora pontuou pelo menos quatro motivos para a declaração de nulidade do contrato de trabalho firmado entre as partes e, consequentemente, o pagamento da respectiva indenização à trabalhadora:

  1. A admissão em quadro efetivo sem concurso público (contrariando o artigo 37, inciso II da CF/88);
  2. A natureza permanente e habitual do cargo exercido pela reclamante (avesso ao que consigna o artigo 37, inciso IX da CF/88);
  3. A realização de pagamentos através das Fundações de Apoio (em patente inobservância do artigo 1º, § 3º, inciso I da Lei nº 8.958/94);
  4. O fracionamento indevido de despesa para a dispensa de licitação que culminou na contratação irregular da autora (destaca-se que o Órgão Federal não obedeceu os comandos do artigo 24 da Lei nº 8.999/93 e dispensou a licitação de forma contrária à referida norma).

Atuação do MPT como fiscal da lei.

O Ministério Público do Trabalho opinou favoravelmente à tese recursal da trabalhadora. Em sua manifestação, a Procuradora Daniela Ribeiro Mendes pontuou que:

Examinados os autos, compreende o Parquet que a sentença recorrida merece reparo.
A petição inicial veio acompanhada de documentos que comprovam a prestação de serviços de recepção e apoio administrativo nas dependências da reclamada, com habitualidade.
À contestação, o ente público admite que tomou diretamente os serviços da trabalhadora, sem fazer uso de empresa fornecedora de mão de obra, restringindo sua tese defensiva à nulidade e ao regime da contratação.
Da análise dos recibos de pagamento acostados aos autos, verifica-se que a Administração se valeu de figuras jurídicas diversas para furtar-se à realização de certame público, dentre as quais destacamos a contratação da obreira como: (i) autônoma, com dispensa de licitação; (ii) microempreendedora individual; e (iii) trabalhadora vinculada a diferentes fundações de apoio (FAAC e BIO-RIO).
Claramente, trata-se de contrato nulo celebrado pelo ente público, em patente violação ao art. 37, II da CRFB/88.
Tal dispositivo constitucional impede, em absoluto, o reconhecimento de vínculo entre o ente público e a reclamante.
De outra banda, tendo em vista a impossibilidade de se devolver à obreira a força de trabalho dispendida pelo serviço prestado, segundo o artigo 182 do Código Civil, lícita e devida é a indenização.
Ao não reconhecer o direito à retribuição pela força de trabalho expendida, estar-se-ia afrontando direitos trabalhistas tutelares e alimentares, e violava-se, por via oblíqua, as demais garantias legais e constitucionais protetivas do trabalho humano que tem prioridade sobre o capital, como se extrai dos arts. 5o, inciso XXIII e 170, ambos da Constituição Federal.

Concluindo seu parecer em favor da autora, o MP ainda informou que:

Diante da comprovada violação ao regramento constitucional, extraiu cópias dos autos para remessa à Coordenadoria de Primeiro Grau da Procuradoria Regional do Trabalho da 1ª Região, a fim de que adote as providências que entender cabíveis em âmbito investigatório.

Divergência entre opiniões dos julgadores.

Mesmo com parecer favorável do Ministério Público do Trabalho, o julgamento do recurso, que seria no dia 10/06/2020, foi adiado para que os desembargadores pudessem analisar melhor o caso.

Em 25/11/2020, o magistrado Antonio Cesar Coutinho Daiha votou contra o recurso da trabalhadora, afirmando que:

O que se constata é que a reclamante comprovou a existência da onerosidade, mas não da subordinação inerente a relação empregatícia.

Nesse mesmo dia 25, o julgamento foi novamente designado para data posterior, mas dessa vez a pedido de outro magistrado, o Dr. Rildo Albuquerque Mousinho de Brito.

Em 10/02/2021, o desembargador Rildo Brito proferiu a seguinte decisão:

De fato, tratou-se de contrato de trabalho nulo, por falta de prévia aprovação da reclamante em concurso público. Observe-se que a prestação de serviços é fato incontroverso.
Então, cabia à ré, e não à autora, provar que não houve relação empregatícia, ainda que nula, e desse encargo ela não se desvencilhou.
Os documentos juntados aos autos não descaracterizam o pacto laboral, pois não se pode pagar trabalho humano como recepcionista por anos a fio sob a condição de autônomo.
Aplico ao caso a Súmula 363 do TST e condeno a ré ao pagamento do valor correspondente ao FGTS de todo o período trabalhado.

A norma vinculante sobre a qual o julgador debruçou seu voto assevera a seguinte:

Súmula nº 363 do TST. A contratação de servidor público, após a CF/1988, sem prévia aprovação em concurso público, encontra óbice no respectivo art. 37, II e § 2º, somente lhe conferindo direito ao pagamento da contraprestação pactuada, em relação ao número de horas trabalhadas, respeitado o valor da hora do salário mínimo, e dos valores referentes aos depósitos do FGTS.”

O desembargador Eduardo Henrique Raymundo Von Adamovich acompanhou o voto proferido por Rildo Brito, encerrando o debate da Turma sobre o mérito da questão.


Honorários advocatícios de sucumbência.

Como a ação foi julgada improcedente na primeira instância, a trabalhadora tinha sido condenada ao pagamento de honorários sucumbenciais, conforme dispõe o artigo 791-A da CLT.

Entretanto, na segunda instância, os desembargadores suspenderam a cobrança de tal valor devido pela autora e, em contrapartida, condenaram a União Federal ao pagamento de honorários em favor do advogado da trabalhadora, que deverá ser calculado na razão de 10% sobre o total da condenação.


CONCLUSÃO.

No caso em análise, restou comprovado que, ao realizar admissão sem concurso público, a União Federal contrariou as seguintes normas legais:

Tendo em vista todos os elementos probantes caracterizadores da irregularidade da contratação, foi declarado nulo o vínculo mantido entre a trabalhadora e a Administração Pública, conforme dispõe o artigo 37, § 2º, da CF/88 e a Súmula 363 do TST.

Em obediência ao artigo 19-A da Lei 8.036/90, a União Federal deverá pagar à sua ex-colaboradora o valor referente ao Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), desde janeiro de 2015 a outubro de 2018. Tal quantia deverá ser corrigida monetariamente. Os honorários sucumbenciais (artigo 791-A da CLT) serão calculados na alçada de 10% sobre o valor total devido à autora.

A trabalhadora está representada pelo advogado Larry Borges, coordenador da banca trabalhista e sócio do escritório Gonçalves & Borges Advogados Associados.

Processo nº 0100968-33.2019.5.01.0062.

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